*Mhario Lincoln
"Fábula do Serrote - A Festa dos Bichos", do cordelista Abelardo Nogueira é encantador. Tem singeleza em cada estrofe, musicalidade em cada verso, ensinamentos e uma pitada de alerta a todos os que acham que a natureza é inacabável.
Frisa também, esse pequeno livro, sobre a relação direta do ser humano com o Planeta. Se o Mundo vier a sofrer maiores colapsos naturais, devido ao irracional uso da estrutura ambiental da Flora e da Fauna, entrará em processo de hecatombe e levará toda a humanidade junta.
O livro (infantil) de Abelardo, através dessa história bucólica, ressuscita nomes da fauna que há muito foram esquecidos nessa louca evolução virtual, pela qual o Mundo inteiro passa. Na verdade, não é um livro apenas infantil, mas ideal para ler em família. Inclusive - em razão da quantidade de citações de animais, aves e pássaros, pode-se usar a onomatopeia, lendo em voz alta, imitando as vozes da bicharada.
Desta forma, em cada página, há uma ilustração incrível, feita pela artista Sophia Medeiros, dando maior ênfase às quadrinhas ali impressas e vida à narração construída com esmêro, em linguagem simples, mas vigorosa.
Isto quer dizer que "Fábula do Serrote - A Festa dos Bichos", editado pela "Viseu", cuja direção de Thiago Domingues Regina e Blenda Castro (Maringá-PR), é uma realidade editorial e deve ser um dos destaques em seu portfólio.
Torna-se uma grande sinfonia de ideias, gritos de alerta e insights de conscientização ecológica, sem agressão, preservando o bom-humor das sextilhas.
A qualidade da obra é indiscutível. Abelardo conseguiu juntar toda uma narrativa individual em uma grande orquestra, somando personagens do mundo animal para essa codificação, de forma a harmonizar ações que podem servir para, num agora, tentar construir uma mensagem otimista, a partir dos seres vivos deste Planeta:
"No mundo dos seres vivos
O instinto é sempre audaz.
Seja do grande ao menor,
Um ou outro, tanto faz,
Cada espécie tem seus dotes
Sendo, porém, tão capaz".
Uma obra importante e interessante, levando o leitor a interagir com o real, com o hoje, com um lado místico (natural), da região onde o autor nasceu; um lugar chamado Ocara, no Ceará, onde "serrotes", espécie de pequenos montes se multiplicam e servem de palco para esse cordel-alerta.
No decorrer das sextilhas, o leitor vai tomando pé da região e vai conhecendo um grande orador: o senhor Cardeal, uma ave passeriforme da família Thraupidae, popularmente conhecido como galo-de-campina:
"O Cardeal discursou
Usando sabedoria
E aos presentes declarou
A seguinte profecia:
- Seremos, pois, perseguidos,
Ao passar de cada dia".
Aí, algo dá de frente com uma realidade doída de nossas matas brasileiras. A cada dia extinguem-se nossos bichos, através da infame mão agonizante do Homem. E em uma das sextilhas, algo emocionante que deixará a todos que lerem este livro-cordel, reflexivos com relação as suas próprias ações ambientais:
"O Peba chegou por último
Ainda muito cansado,
Pois fazia escavação
Fugindo desesperado
De um tal Ser Humano
Que lhe havia atocaiado".
Essa estrofe me tocou tão profundamente que me lembrei do gênio Leonardo da Vinci que, naquela época já alertava: "Chegará um dia no qual os homens conhecerão o íntimo dos animais; e nesse dia, um crime contra um animal será considerado crime contra a humanidade".
*Mhario Lincoln é Presidente da Academia Poética Brasileira.